Acasos, encontros e improvisos

* Edu Souza

 

Assim como a vida, a música também é feita dos seus acasos, encontros e improvisos e assim desse jeito começa minha história aqui no Contra e Verso.

Mas é importante primeiro voltar ao Bar do Sandro, boteco tradicional na cidade de Caraguatatuba, que, como todo bom boteco tem sua própria cultura e seus frequentadores habituais, figuras míticas da cidade, cheias de histórias e curiosas manias boas de se observar.

Sempre que eu tenho a oportunidade de estar na cidade e livre de compromissos num sábado à tarde, apareço por lá para almoçar, prosear com o Sandro e observar, mais do que interagir.

Porém sempre aberto as interações, me jogo no improviso do acaso e o clima do ambiente favorece, entre goles e risadas, você encontra respostas rápidas, acidez e muito sarcasmo, ninguém tem tempo para moscar sem ser notado, sendo sempre um alvo fácil para o próximo assunto.

E foi assim, nesse contexto, que encontrei novamente o amigo Pedro Monte-Mór e mais um punhado de gente naquelas horas que passei por lá.

Das muitas conversas que tivemos em algum momento elas convergiram para a guitarra e o blues, assuntos que geralmente são abordados em rodas de conversa em que estou presente e que tenho o maior prazer de conversar sobre.

Tenho profunda paixão pelo blues e toda cultura negra americana, gosto de pesquisar e conhecer cada vez mais desse mundo rico e infinito de luta, amor e inspiração, sempre tem algo mais a se descobrir!

Falamos sobre Robert Johnson, suas verdades e mitos, sobre os filmes “Blues Brothers” e também sobre “A Encruzilhada” e sua visão branca do que é o blues sendo retratada no filme, onde no final para vencer o guitarrista enviado pelo diabo Jack Butler (interpretado por Stevie Vai), o jovem estudante de música clássica Eugene Martone (interpretado por Ralph Macchio) toca uma peça erudita.

A música intitulada “Eugene’s Trick Bag”, de estilo neoclássica foi composta por Steve Vai, inspirada no Estudo N.2 de Villa-Lobos (um estudo só de arpejos), e baseada em Caprice No. 5, de Niccolò Paganini.

Paganini figura na história como sendo o primeiro músico que teria vendido sua alma ao diabo por suas habilidades musicais, muito antes de Robert Johnson que tem sua história e algumas lendas retratadas no filme.

Talvez por isso, e sabendo do roteiro, Steve Vai tenha baseado esta sua composição em uma de Paganini.

E se você ainda está se perguntando porque “Quinta Diminuta” vou te explicar logo adiante, tenha um pouco de paciência.

Assim como bons músicos de blues e jazz, é mais importante ouvir do que tocar, primeiro e sempre ouvir, ouvir os outros e também as melodias dentro de você para só então depois passar para o instrumento e tocar.

Quinta diminuta é o nome de um intervalo musical, uma alteração do intervalo de quinta justa, esse intervalo em relação a tônica gera um som dissonante chamado de trítono.

O intervalo de trítono era considerado um intervalo proibido na música antiga litúrgica, pois seu intervalo de três tons remetia a uma dissonância que desviava a atenção da missa. O trítono, do grego, intervalo de três tons era chamado de diabolus in música.

Coincidência ou não esse mesmo intervalo de trítono quando chegou na América foi trazido e usado pelos negros mas chamado de “Blue Note”, a nota que traz o lamento, tensão e dissonância inserida na escala pentatônica e que a partir disso influenciou mundialmente toda a música popular moderna contemporânea.

E o que estávamos fazendo eu e Pedro Monte-Mór se não apresentar e improvisar sobre um e vários temas, cada um trazendo na bagagem seu próprio repertório cultural.

Assim como músicos num jam session, a vida está sempre acontecendo cheia de sons e trocas, encontros, acasos, acertos, erros, perguntas e respostas.

E após esse feliz encontro, recebi um convite para um café e então a proposta para fazer parte do time de colunistas do Contra e Verso, claro que aceitei porque adoro escrever.

A vida acontece do lado de fora.

Basta estar atento, com os ouvidos e a mente aberta!

Te vejo quinta feira, um beijo.

 

* Edu Souza é cantor, compositor e músico profissional desde 2003, lançou 3 álbuns autorais, já atuou como professor e acompanha diversos artistas do cenário blues.

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