Sob os Pés das Amoreiras – 1

Por Beá Moreira

 

Vovô era comerciante! Tinha uma venda!

Abastecia toda a região do Litoral Norte, com secos e molhados, além de outros produtos de primeira necessidade.

Além do armazém, vovô era proprietário de uma linda e bem cuidada Volga, um barco grande e veloz.

Frequentemente, ia para Santos, buscar mercadorias, para abastecer a clientela, tanto do pequeno vilarejo, quanto das pessoas que vinham de outras regiões, como Bairro Alto, Ubatuba, e das Vilas Caiçaras que existiam por ali…

Trazia uma porção de novidades, além de produtos imprescindíveis, como fósforos, velas, tecidos! Muitas coisas! Carne seca, bacalhau, azeitonas, azeite, vinho, tudo o que não era encontrado na pequena e agradável Vila de Santo Antônio.

Essa estória começa numa ensolarada manhã de domingo, quando, após a missa, a família Fernandes decidiu mudar o trajeto, de volta para casa.

Durante anos, o caminho da Igreja para a chácara do sr. Francisco Fernandes sempre fora o mesmo. A pequena ladeira suave, uma curva à direita, e lá estavam eles, de volta ao frescor da larga varanda que contornava todo o casarão, rodeado por árvores frutíferas, adornado por ervas extremamente cheirosas, que perfumavam o ambiente, de forma que esse odor já fazia parte integrante da chácara. Costume antigo, trazido de Portugal. Pitangueiras carregadas, e amoreiras cobertas de flor atraíam os mais diversos passarinhos, que coloriam o ambiente, com suas penas e com seus cantos…

Nessa manhã, no entanto, os planos acabaram mudando.

E como mudaram!

Mudaram os planos, e as vidas, que deles faziam parte.

O velho Francisco Fernandes tinha fama de ser muito correto e bom negociante, e era muito respeitado, na região. Porém, se dizia à boca pequena, que era muito rígido com os três filhos, principalmente com a filha mais nova, Luísa, que aos quatorze anos, nunca saía de casa, exceto para ir à igreja ou em raras ocasiões festivas, mas sempre acompanhada dos irmãos ou do próprio pai.

As moças da cidade tinham dó dela, imaginando que a pobre vivia numa prisão.

O que a maioria não sabia, é que Luísa era completamente feliz, na chácara!

Acompanhada dos irmãos e dos filhos dos funcionários que cuidavam da terra, era livre como um pássaro. Alegre e inteligente, vivia inventando brincadeiras e travessuras, sem, no entanto, deixar seus afazeres de lado.

Quando perdeu sua mãe, para uma doença desconhecida, a pobrezinha tinha apenas seis anos, mas se lembrava quando D. Francisca atirava tufos de cabelo ao mar, durante a travessia entre Portugal e Brasil. Morou com o pai e os dois irmãos, bem mais velhos, em Santos, e no início da adolescência, acompanhou o pai, indo morar na Vila de Santo Antônio.

Foi lá que Luísa conheceu D. Felícia, uma senhora que trabalhava para seu pai, e que se incumbiu da instrução das tarefas femininas que Luísa, ainda tão novinha, teve que abraçar.

Aprendeu rápido e tomou para si as responsabilidades da casa. Contava com a ajuda de funcionários de seu pai, mas em pouco tempo, já administrava a casa como se fosse a coisa mais simples do mundo. Para isso, precisava aprender a ler e escrever, porque contar, ela já aprendera com o pai, quando, ao seu lado, o observava fazer a contabilidade da chácara. Mas, essa, é uma outra estória.

Aos poucos, a vida de Luísa foi se tornando uma rotina sem fim, e o velho chacareiro começou a notar as mudanças que vinham ocorrendo, com muita velocidade, não só no corpo da filha, mas, no seu olhar!

Luísa, agora já uma mocinha, tinha um brilho curioso nos grandes olhos cor de castanha, o que causava uma certa preocupação no pai ciumento.

Naquele domingo, após a missa, calmo e decidido, o homem, geralmente carrancudo, com um sorriso no rosto, convidou a filha para experimentar uma iguaria que vinha fazendo sucesso toda vez que o filho de seu compadre Moreira voltava de Santos.

 

 

Beá Moreira é Cientista Social, e comenta sobre o cotidiano e suas nuances, de forma descontraída e despretensiosa, buscando fazer do leitor de qualquer idade, um companheiro de bate papo.

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