Sob os Pés das Amoreiras – 3

Por Beá Moreira

 

Mas, como já havia dito, “seu” Francisco não gostava de gente que não trabalhasse na terra.

Ele era um dos que abasteciam a região com hortifrutigranjeiros, e achava que quem trabalhava em outras coisas, como no comércio, por exemplo, era preguiçoso, era vagabundo. Meu avô ficou sabendo disso. E então o que ele fazia? Ele levantava cedinho, pegava a enxada, pá, carrinho de mão, sei lá! Todo o equipamento de roça, e passava na frente da chácara do bisavô Benedito, cumprimentava a todos com um sonoro “bom dia, bom dia!” e ia embora!  Disfarçava, e ia para a venda trabalhar, ia viajar, fazer as coisas dele. Depois, quando chegava o fim de tarde, ele voltava pelo mesmo caminho, as coisas nas costas, ferramentas, enxadas, tudo!

Assim, meu bisavô ficou encantado! Achou que meu avô era um moço muito esforçado, que trabalhava na roça e ainda fazia bico na venda! Então, um dia, os dois combinaram de tomar um café…  Conversaram, conversaram, e meu avô mandou chamar minha avó Luísa, que fugiu… Foi parar na casa da dona Felícia…

A dona Felícia era negra, tinha sido filha de escravos, ela era bem comprida, alta, bem magra, usava só uns vestidos pretos! Era tipo a Dita Ursa, lembram? Ela tinha aqueles vestidos fechados, bem escuros, de um pano parecido com pano de guarda-chuva. Eu a conheci!  A achava estranha… Eu era pequenininha, ela já era muito velha, mas ia lá na casa da minha tia Nina, quase todo dia!  Eu achava que ela era meio urubu! Kkkkk

Bom, aí minha avó se escondeu na casa da dona Felícia, e depois foi um bafafá ! Então meu avô a chamou, e falou: ” Você vai casar com o Benedito, você já não tem mãe (a mãe de Luísa, minha bisavó, tinha morrido quando vovó tinha 7 anos) e eu não posso cuidar de você! Você já está crescida! Já está com 14 anos, quase! Já está mocinha! Já está passando da idade, então, está na hora! E ele vai ser um bom marido!”

Aí, minha avó contava que chorou, chorou, chorou… Não porque não queria, mas porque tinha medo, vergonha, receio de largar o pai….  Mas, não teve jeito! Meu avô estava irredutível. Então, ela teve uma ideia!

Mais para ganhar tempo, do que demover o pai sobre a ideia do casamento, disse que só casaria com a permissão do irmão mais velho, que morava em Santos.

 

Então, na outra semana (foi rápido, o negócio!), meu avô foi até Santos, atrás da autorização verbal.

A resposta foi decidida, o tio Francisco apenas confirmou o que era sabido: “Está lá o que manda, e o que resolve”!

Vô Bidito, então, voltou alegre, com o barco carregado!  Foi lá na casa do meu avô, que mandou, mais uma vez, chamar minha avó.

Daí, chegaram os pacotes! O barco veio abarrotado de cima a baixo, só com as coisas do casamento! Tudo: enxoval, decoração de casa, comida e bebida para a festa…

O vestido de noiva, o sapatinho! Até a camisola da noite… tudo, tudo, tudo!  Tudo mesmo!

Vovó contava que viu, tudo, achou tudo lindo, mas não disse uma palavra. Não podia dar o braço a torcer! Então, fingiu que não gostou, fez pouco caso…  Essa era uma forma de demonstrar seu descontentamento, não pelo casamento, em si (disso até que ela havia gostado), mas, pela forma como aconteceu, pela imposição, sem que ninguém perguntasse se esse era seu desejo (era, desde o dia do sorvete, mas ninguém sabia). Por sorte, não teve escapatória.

Então se casaram! Com direito a dança, comida, e bebida fartas, e muita alegria no ar.

Na noite do casamento, depois da festança toda, quando eles foram para a casa nova (meu avô tinha construído uma casinha boa para eles, com tudo do jeitinho que minha avó tinha falado que gostava – porque eles já haviam conversado sobre isso, nas poucas vezes em que meu bisavô permitiu algumas visitas). Além disso, meu avô contava as coisas para o meu bisavô, e vice-versa! Assim, ele fez a casa como ela sempre sonhara: com uma varandinha na frente, e que tivesse um balanço – ela ainda era tão menina…

Vovó se encantou com a gentil delicadeza que meu avô demonstrou.

Assim, quando chegaram em casa, para a lua de mel, ele disse à vovó que tinha um mimo para ela, em cima da cama, no quarto dela, e que, no dia em que ela enjoasse daquele presente, que ela fosse falar com ele, que eles iam conversar diferente!

Ruborizada de curiosidade, arrebatada por um calor estranho, que ela não conhecia, ficou entusiasmada com o presente e foi lá ver o que era, no pacote!

Era uma caixa, e, quando ela a abriu, deparou-se com a mais fina e delicada boneca de porcelana! Era linda e Luísa encantou-se.

Virou-se com a boneca nas mãos e encontrou o olhar do marido, que se regozijava com o prazer que viu nos olhos da jovem esposa.

Assim, ali começava uma verdadeira estória de amor.

 

 

Beá Moreira é Cientista Social, e comenta sobre o cotidiano e suas nuances, de forma descontraída e despretensiosa, buscando fazer do leitor de qualquer idade, um companheiro de bate papo.

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