Acervo do Imprensa Livre pede socorro e jornalistas pedem digitalização online

Por Marcello Veríssimo *

 

O tempo e a velocidade da internet são capazes de destruir a profundidade do jornalismo impresso? A resposta para esta pergunta a coluna resolveu ir buscar com quem entende do assunto: alguns dos jornalistas que passaram pela redação do extinto jornal “Imprensa Livre”, o único diário do Litoral Norte Paulista, que em razão de uma crise financeira fechou suas portas na década passada.

De acordo com a trajetória do jornal, foram 28 anos de história retratando não só o cotidiano diário de São Sebastião, município que abrigou sua redação, mas também de Ilhabela, Caraguatatuba e Ubatuba. Na era analógica, quando ainda não existia a internet e a força das redes sociais em disseminar informação, o IL, que atuou de 1991 até 2015, era considerado o mais importante veículo de comunicação da região.

Seu antecessor, o jornal Chip News, que foi fundado em 1986, ainda em formato tabloide, abriu a porta para o início da chamada “era de ouro” na imprensa local, que depois nunca mais aconteceu. Atualmente, tanto o Chip News quanto todas edições Impressa Livre de 1991 a 2015, além do seu suplemento “Fim de Semana”, entre 2001 e 2002, e outras raridades como exemplares do jornal Bandeirante e revista Wave estão guardadas em uma sala do Arquivo Histórico Municipal de São Sebastião, que, apesar de boas condições de armazenamento, não são capazes de resistir a ação do tempo. O papel do jornal é pouco resistente, com o passar dos anos vai se tornando amarelado sem contar que facilmente se rasga, é mais vulnerável e menos durável, diz Líria Alves, graduada em Química.

Tais características já podem ser notadas nas edições do Imprensa Livre guardadas no arquivo e, por conta disso, antigos jornalistas que trabalharam lá, novas gerações de profissionais e quem tem alguma admiração vê com extrema necessidade efetuar a digitalização desse acervo para torná-lo disponível na internet.

Socorro – Para os jornalistas, o acervo em papel é histórico e pede socorro. A jornalista Maria Angélica de Moura Miranda, que atua há mais de 30 anos na área, sabe da importância do jornal Imprensa Livre para São Sebastião e região. “Nesses 28 anos muita coisa aconteceu em São Sebastião, incluindo muitas reportagens sobre o Encontro de Autores, que eu realizo, algumas vezes eu também escrevi para o jornal, recuperar esse acervo digitalizado é o que tem de ser feito. É uma maneira de recuperar esses 28 anos da história de São Sebastião, precisa ser feito logo para não deteriorar ainda mais o material”.

O jornalista Rafael Rodrigues, 30 anos, não pode trabalhar no Imprensa Livre, mas por outro lado disse que cresceu lendo e admirando os profissionais que trabalhavam no veículo de comunicação. “Digitalizar [o acervo do Imprensa Livre] é fundamental por ter sido o único jornal diário que tivemos no Litoral Norte, ainda guardo o recorte de uma história que foi publicada sobre minha ida até Brasília, em 2006. Seria muito mais fácil pesquisar digitalmente. O Imprensa Livre não tem só boas histórias, ele faz parte da história da cidade e da região. Ele é um pedaço de papel vivo que conta milhares de histórias de São Sebastião, fundamental não se perder isso, afinal de contas hoje nós não temos um jornal diário e não sei quando teremos e se teremos novamente”, disse o jornalista. “Quantos diálogos de políticos importantes como Paulo Julião, Juan e Ernane para nós chegarmos até aqui está tudo no Imprensa Livre”.

 

Para a jornalista Priscila Siqueira, formada desde 1962, ignorar a importância em digitalizar o acervo de um jornal com a relevância do Imprensa Livre é debochar da história de São Sebastião. Dona Priscila, como é conhecida no município, hoje com 88 anos, relembra o início de sua trajetória como repórter em 1976, primeiramente na Agência Folha e depois na Agência Estado, onde produziu reportagens para o Estado de São Paulo e o extinto Jornal da Tarde, além da rádio Eldorado, atuando como correspondente regional. “Esse material, assim como matérias importantes de outros repórteres, estava tudo guardado em casa”, explica a jornalista, que com o tempo acabou enfrentando outros dois importantes adversários na conservação do seu acervo autoral: a maresia e os cupins. De acordo com o Instituto do Patrimônio Histórico Artístico e Nacional, são pelo menos 32 tipos de cupins existentes na região.

Isso fez com que, segundo a jornalista, ela resolvesse ceder o material para a Prefeitura de São Sebastião ainda na época do antigo prefeito Ernane Primazzi, na esperança de que fosse bem conservado e ficasse disponível para pesquisa de forma adequada ao público, no Arquivo Histórico Municipal.

Porém, devido a alguns problemas a jornalista removeu seu material e encaminhou à Fundação Cultural de Caraguatatuba, que demonstrou interesse pelos jornais. “Eles recolheram o material, digitalizaram e recuperaram páginas danificadas. Hoje, as pessoas podem tanto ver no digital quanto ir pesquisar presencialmente”, conta Priscila, que aponta estratégias semelhantes para serem feitas no acervo em São Sebastião. “É importantíssimo que a gente não perca o registro, a análise de conjuntura daquela época”. “A história é feita por todos nós! Um país, uma cidade, que não tem apreço por sua história não constrói seu futuro. Falo isso, pois deixar se perder o acervo do Imprensa Livre é deixar se perder parte da história de São Sebastião”.

A jornalista Raquel Salgado, uma das primeiras profissionais que trabalharam no Imprensa Livre, também lamenta a atual situação do acervo do jornal Imprensa Livre e das outras publicações guardadas no arquivo de São Sebastião. “Por quase duas décadas, o jornal Imprensa Livre registrou a vida política, cultural, a luta pela preservação ambiental, a cultura caiçara e as questões indígenas. Fez história e registrou a história da região. O perigo de perder este arquivo é um desastre cultural! É a memória de um povo que se apaga, instrumento histórico que ajuda a modelar o futuro”.

Diante dos fatos, este colunista procurou a Fundação Educacional Cultural de São Sebastião Deodato Sant’Anna (Fundass), mas nenhum dos seus representantes foi localizado para comentar o assunto. A secretária do presidente da fundação marcou uma reunião para a próxima segunda-feira e este texto será atualizado.

Digitalizar o acervo de periódicos em São Sebastião é extremamente necessário.

 

* Marcello Veríssimo, 41 anos, é jornalista no Litoral Norte de São Paulo. Formado pela Universidade do Vale do Paraíba, em 2001, passou por praticamente todos os jornais impressos, revistas e portais de notícias da região, incluindo o extinto “Vale Paraibano”, em São José dos Campos.

2 respostas

  1. O jornal O CANAL foi o primeiro jornal registrado depois de 1964 em São Sebastião/SP. O Imprensa Livre como Chip News começou depois, esses dois eram a mesma coisa, do mesmo grupo. Por 10 anos trabalhei com a Empresa O CANAL, em 1988 fiz também o jornal “Tebar em Notícias ” sobre o Terminal Marítimo Almirante Barroso. Corrijam por favor!

    1. Obrigado por acompanhar e opinar no Blog Contra & Verso, pois isto é muito importante para nós. Sobre o seu comentário, o assunto em questão no texto publicado hoje diz respeito ao Imprensa Livre e sua memória que necessita de digitalização. Quanto ao Chip News o mesmo foi o “pai” do Imprensa Livre, o primeiro e único diário de São Sebastião. Louvável a sua iniciativa há mais de 50 anos, porém não houve citação de sua parte quando da entrevista e muito menos era o assunto do texto publicado, não cabendo qualquer correção. Mais uma vez agradecemos a sua opinião e participação.

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